domingo, 16 de março de 2014

Ganhar na Mega-Sena ou tomar um bom café?

Eu descubro que a Mega-Sena está acumulada novamente quando vejo as filas para fora das casas lotéricas. É interessante pensar que mais pessoas resolvem jogar quanto maior é o prêmio oferecido. Acho que é porque no fundo todo mundo sabe que as chances são absurdamente pequenas, evitando por isso gastar tempo com o trabalho de ir até a lotérica, pagar, preencher o bilhete etc. Com mais dinheiro, contudo, a tentação deve ser maior, imagino, levando o sujeito a enfrentar filas, gastando mais tempo, apesar de ter exatamente as mesmas – ridículas – chance de ganhar (a única coisa que aumenta é o risco de ter que dividir o prêmio, já que mais gente joga).
No filme Antes do pôr do sol, segundo da trilogia do diretor Richard Linklater com o casal Ethan Hawke e Julie Delpy, durante um dos envolventes diálogos – que constituem quase o filme todo – Hawke diz que foi comprovado que ganhar na loteria não traz felicidade. Ele dá até detalhes, dizendo que não fazia diferença ganhar dinheiro ou ficar paralítico no longo prazo.
É por aí mesmo. O roteiro citava aqui – com propriedade – o estudo clássico da década de 70, no qual os pesquisadores compararam setenta e três pessoas, 22 que ganharam prêmios na loteria americana (de até 1 milhão de dólares), 29 que ficaram paraplégicas por causa de acidentes e 22 sem eventos significativos na vida. Perguntando sobre a felicidade e os prazeres do dia-a-dia, descobriu-se que as pessoas que sofreram acidentes tendiam a glamorizar o passado, pois se consideravam mais felizes do que a média das pessoas antes de perderem os movimentos. Já dentre os ganhadores, menos de um quarto experimentou mudanças significativas no estilo de vida, não se sentido mais felizes do que as pessoas em geral. O mais interessante, contudo, é que os pequenos prazeres da vida, como conversar com amigos, ver televisão, tomar um bom café da manhã, ler uma revista ou comprar roupas foram classificados como menos interessantes ou prazerosos pelos ganhadores do que pelos paralíticos e o grupo controle.
O pior é que, com o passar do tempo o padrão se manteve. Quer dizer: ganhar na loteria parece ser uma felicidade tão grande que rouba a alegria das pequenas recompensas do cotidiano, mas sem oferecer uma outra forma de satisfação em troca.
Mas não precisa se preocupar com isso: aposto o dez vezes o que você pagou no seu bilhete como você não será sorteado. O que certamente não te fará infeliz.
Por Daniel da Barros(Psiquiatra)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Um Boeing a cada seis dias

Um Boeing a cada seis dias - ROGÉRIO GENTILE

SÃO PAULO - O crescimento do uso de motocicletas é tão alucinante que, mantido o ritmo atual, é possível dizer que na próxima década a frota em duas rodas ultrapassará a de carros. A consequência disso é facilmente verificável em funerárias e cemitérios do país, a despeito da pouca importância que se dá ao assunto nos gabinetes oficiais.
    Pelo menos 40 motoqueiros morrem diariamente nas ruas do Brasil, segundo os últimos dados conhecidos, de 2011. Em 1998, eram cinco por dia. Na prática, é como se atualmente a cada seis dias um Boeing-777 desaparecesse no oceano sem deixar vestígios. O número é maior que o de óbitos por atropelamento (32/dia) ou em acidentes de carro (34/dia), diferença que aumenta a cada ano.
    O "motocídio" cresce mais rapidamente até do que a própria violência urbana. Se, em 1996, um motociclista morria a cada 27 pessoas assassinadas no Brasil, em 2011 houve um óbito em acidente de moto para cada 3,5 homicídios.
    Os dados são ainda mais preocupantes se comparados com os internacionais. Segundo o "Mapa da Violência 2013", estudo muito bem-feito pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, o Brasil tem a 13ª pior taxa de mortalidade numa lista de 122 países pesquisados. Foram 7,1 mortos em 2010 para cada 100 mil habitantes. Pior, por exemplo, que Índia (6,1), Uganda (5,0), Costa do Marfim (3,4), Venezuela (1,5), Argentina (1,3) e México (0,6).
    Apesar do índice elevado de óbitos --e dos gastos astronômicos com hospitais e custos previdenciários--, o governo continua a estimular o uso de motocicletas, facilitando, por exemplo, o financiamento nos bancos oficiais. Chega a ser mais barato pagar uma prestação no final do mês do que utilizar transporte público. Mais grave ainda é autorização para que motoqueiros circulem entre duas filas de carros, em espaços apertadíssimos. Ao contrário do que se pensa, no Brasil existe, sim, "corredor da morte".

sábado, 22 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Violência robustece a economia





As duas formas de violência fortalecem a economia global: a não dolosa e a dolosa. A violência não dolosa cresce a olhos vistos. Está na gênese dos indicadores econômicos que projetam países como o Brasil no contexto internacional. A relação de causa e efeito é patente. Ao se globalizar modelo único de sociedade, o mundo ficou mais violento.

Para o pensador belga Ernest Mandel, uma coisa está ligada à outra. É a alma do capitalismo consumista. Consumismo é modalidade sutil de violência, porque ignora limites éticos ao incentivar o vício da compra inconsequente. Nunca o ter foi tão superior ao ser. O fascínio do ter perverte o ser e faz dele mero objeto da lógica materialista. Abundância extravagante é paisagem da sociedade de consumo. Sabe seduzir para roubar os parcos recursos da economia doméstica. O gasto desnecessário ganhou status de avanço social. Poupar é retrato do passado. Em breve, será enquadrado como ato lesivo à cidadania.

Não se admite discutir outro modelo de sociedade que não a de consumo. Considera-se inimaginável um mundo feliz sem o entulho da mercadoria supérflua. Promoção humana virou sinônimo de acúmulo de bens materiais, não de intelecto. Educação não se cultiva, compra-se. Leitura já não requer concentração, só digitação em parafernálias mais atraentes que o conteúdo dos textos. Inclusão social cedeu lugar à inclusão digital. A era do cérebro substitui-se pela era do dedo. Escola é rota para concursos, não mais templo da formação em humanidades. Ética é utopia poética, nada mais.

Elites regozijam-se diante da facilidade em navegar nas ondas seguras do poderio negocial entranhado na cultura dos tempos modernos. A violência não dolosa do poder dominante multiplica fortunas com rapidez jamais vista. Tudo é lucro. A liberdade de exploração é plena. Qualquer sorte de emprego é essencial. Não importa o valor do salário pago nem o que produz. O recurso do crédito é a solução mágica. Incha o ego e o bolso do credor. Aniquila o devedor. O que conta é o número crescente de escravos do consumo. O resto é balela moral de mentes ultrapassadas.

O cenário urbano de hoje é fotografia do involucionismo da espécie. Ruas, praças, avenidas, calçadas e demais espaços públicos já não são a mesma coisa. Converteram-se em pátios de montadoras repletos de automóveis que transitam com a velocidade das antigas carroças. As rodovias são túneis da morte. No ano passado, 42 mil brasileiros morreram em acidentes de trânsito. Nada disso importa. Vender carros é a meta a ser realizada a qualquer preço, inclusive ao da propaganda enganosa que nunca mostra o automóvel circulando morosamente nas centenas de quilômetros de lentidão que desqualificam o cotidiano das cidades. Transporte coletivo de qualidade é conversa para boi dormir. Não aquece a economia. É projeto que todos os governos brasileiros trancaram na gaveta. Corre risco de ir para o lixo. A indústria automobilística comanda o espetáculo nas ruas e governa o país nos bastidores.

Até o comércio rompeu as barreiras que racionalizavam sua expansão. Vale tudo. O pobre e despojado menino Jesus, cujo nascimento se comemorava no Natal, foi esquecido. Envelheceu na figura do Papai Noel, que lhe roubou a cena do presépio. Uma árvore congestionada de atrativos de consumo tornou-se símbolo daquela data. O próprio calendário mudou. O preparo para as vendas natalinas foi antecipado. Começa em outubro. É a estratégia de apropriação do 13º salário dos trabalhadores. Bonecos gigantes de Noel povoam marquises de lojas para estimular o sonho consumista das pessoas. Forma dissimulada de violência, bem aceita pelos códigos da democracia republicana em vigor.

Segundo verbo em moda, a violência dolosa também robustece a economia. Crimes de qualquer natureza têm valor econômico. Geram empregos; expandem a indústria da segurança; justificam aumentos de efetivos policiais, compra das armas e viaturas, construção de presídios, aquisição de câmeras e outros equipamentos. Sem falar no atendimento médico-hospitalar das vítimas, atividade que desdobra outro tanto de energia econômica. Não por acaso, a mídia televisiva explora imagens da violência dolosa que, estimulada, faz subir o PIB. O Brasil caminha para posição de quinta economia do mundo. Resta saber se o fato de ser um dos países mais violentos do planeta é causa ou consequência da sua evolução econômica. Se for causa, o modelo de sociedade é condenável. Se consequência, urge mudá-lo. Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

Por Dioclécio Campos Jr., Médico e Professor Emérito da UNB - Jornal "Correio Braziliense" de 22/11/12.
   












O ovo cozido jamais será comido!!!!
Psicodélica

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014