sexta-feira, 4 de maio de 2012



Nana Caymmi diz não querer obrigação de fazer shows
Cantora, que faz shows em breve em São Paulo, Belém e Florianópolis, pode vir ao Nordeste no segundo semestre de 2012
Publicado em 02/05/2012
Da Agência Estado
Nana alfineta dificuldade para custear espetáculos e predileção do público por "´música ruim"

Faz um mês que Nana Caymmi anunciou, no palco, que iria parar de cantar e se recolher em Pequeri, cidadezinha mineira de sua mãe. Mas nesta terça-feira (1º) ela fez show em Belo Horizonte, com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e Wagner Tiso ao piano, que se repete nesta quarta (2). Sábado (5), será no HSBC Brasil. Dia 11, chega a Belém, com os irmãos Dori e Danilo. No dia 31, a Florianópolis. De 15 a 17 de junho, a Buenos Aires. No segundo semestre, negocia datas no Nordeste.

E então, vai parar ou não vai? "Tem três anos que eu falo isso! Sou igual ao Silvio Caldas", ela brinca. "Eu fiz esse show no Vivo Rio (o do anúncio) porque uma empresa de São Paulo comprou. Comecei a negociar em dezembro, não entro em bilheteria. Ninguém achou que fosse ser aquele tumulto, todo mundo disputando ingresso, os amigos me pedindo. Em São Paulo vai ser a mesma loucura. E eu vou me rasgar? Que nada, eu vou é sentar e comer meu salaminho!"

De roupa de ficar em casa e a língua aguçada de toda hora, Nana recebeu a reportagem na sala de seu apartamento, no Alto Leblon. Sobre uma poltrona, a mala de viagem aberta, onde entrariam as roupas de show. O filho, João Gilberto, passava para lá e para cá. Ele tem 45 anos e precisa de atenção permanente desde que sofreu um acidente de moto que afetou seu cérebro, em 1989. "Minha vida se resume a ele, é como se fosse uma criança. Quero ir para Pequeri também por isso. É um lugar que eu amo e onde ele tem qualidade de vida. Todos reverenciam o neto de Dorival Caymmi e Stella Maris", explica a cantora, 71 anos completados domingo.

A cidade fica "só a duas horas e meia do Rio", de modo que ela vai poder ir e voltar. É essa a intenção. Nana não pretende parar de gravar, só não quer ter a obrigação de fazer shows. A falta de palcos na cidade a desencoraja. "O Vivo Rio pegou a programação do Teatro Municipal, que está fechado. O (teatro) Tom Jobim é pequeno, não dá nem para pagar o meu papel higiênico. Se querem que eu arque com a bilheteria, eu não vou. Tenho que dar 50% pro cara e pagar os músicos! Antigamente, tinha a gravadora por trás; agora, não."

O cenário atual da MPB também a desanima. "Tenho um disco de ouro, enquanto quilos e quilos de merda têm de diamante, de rubi", descarrega. "Na minha idade, ter que fazer e desfazer mala, e fazer outra? Não quero ter mais equipe, obrigação. Vou ser freelancer. A música não é mais a mesma. Você viu algum sucesso no CD do Chico (Buarque)? Eu sou do tempo do Olé Olá, você ouvia e já saía cantando. Eu assisto ao TV Fama (programa de fofoca da Rede TV!) para ver até que ponto essa pobreza pode chegar. Não quero fazer parte dessa mediocridade. Dizer para mim que eu faço parte dessa fauna, dessa Pestalozzi, não! Sempre teve música boa e ruim, mas agora é só a ruim, com raríssimas exceções. A MPB que presta está velha, não quer mais fazer show e tomar surra de aeroporto. Não quero mais sentar em cadeira de avião onde não cabe a minha bunda."

Ela ainda planeja registrar os lados B de Tom Jobim, não contemplados pelas regravações porque "não dão ibope", e músicas de Caymmi praticamente inéditas que só ela conhece - melodias cujos originais estão com a família, e letras de que se recorda de ouvir o pai cantar. Para a próxima novela da amiga Glória Perez, está encarregada de achar uma nova música de arrebentar corações. "Ela quer outra Resposta ao Tempo", diz, lembrando o grande sucesso que, em 1998, lhe deu os maiores números dos 50 anos de carreira. "Eu também quero outra Hilda Furacão", emenda, lembrando a minissérie, escrita por Glória, que alavancou a faixa.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Aniversário


Aniversário
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

15/10/1929